Só depois de passados alguns meses, quiçá anos, que percebemos certas coisas imperceptíveis no momento em que se vive. O poder da atualidade tem de nos fazer sentir algo, não é o mesmo de quando se passam os meses e você se lembra de tal acontecido. Não se vive o momento, mas sente-se. O que o torna ainda mais singular e de uma complexidade que eu ainda não consegui entender ao máximo. São desses momentos que hoje eu sinto (não vivo) e percebo como o meu coração já foi algo, deveras, duro.
Era fim de tarde, do dia 3 de novembro de 2007, quando recebo a notícia da morte do meu avô. Até então ninguém da minha família (eu disse ninguém) morrera. Foi a minha primeira experiência com esse tipo de sentimento. Na hora, recordo-me de fazer a simples indagação: “Sério?”; e recebi um “Sim”, com uma carga de frieza bastante rudimentar. Como a resposta veio de meu pai (filho do meu avô), fiquei tranquilo e senti as dores dele.
Como sou péssimo em guardar datas, tive que pegar um cartão, que guardo dentro de minha carteira, para lembrar a data do falecimento do grande Sôquim. Infelizmente não vem a data do seu enterro, que não consigo lembrar. No entanto, lembro-me do dia, uma vez que me recordo daquela tarde ensolarada, no cemitério do Santana, com todos os parentes (ou pelo menos a maioria) e conhecidos. Lembro-me de ainda estar namorando e os pais dela também foram prestar suas condolências. Enquanto eu permanecia estático. Nenhum sinal de dor ou culpa. Apenas me senti em mais um compromisso em família.
Recebi alguns abraços de sentimentos, recebi também vários “conte comigo”, mas permaneci ali. Conversando com os primos e com as demais pessoas. Vez ou outra ia ao caixão e dava uma olhada. Lá estava o velho. Deitado em seu leito e já descansando por horas. Bem vestido e com alguns algodões no nariz, que, na hora, não me atrevi a perguntar para que serviam. Apenas observava, voltava para o meu canto e continuava a conversar.
Depois de algumas horas, algumas palavras do padre: “Aqui está este grande homem” – fiquei intrigado... como ele conhecia vô? – era o momento de carregar o pesado caixão. Mais alguns choros, outros chegavam com enfeites, flores, mas já era tempo de levar o velho para o buraco (com todo o respeito).
Estava normal e me coloquei à disposição para ajudar a carregar. Foram os pouco mais de 200 metros mais longos da minha vida. O peso era tamanho que me senti fazendo mais força que os demais. Não reclamei. No fundo (lá no fundo mesmo!) eu queria fazer algo pro meu vô e não queria reclamar. O fim da cerimônia é marcado com alguns jogando terra por cima do velho. Muitos familiares se abstinham de ver a cena. Mas eu fiquei ali, bem de perto, vendo todo o processo.
Um belo dia (belo mesmo), estava eu, minha namorada e sua amiga no shopping. Já era o ano de 2008, mas não me recordo da data ou mês. Fomos ver um filme e comer umas esfihas. Terminado o passeio, fui pagar a conta. Pego minha carteira e, por engano (ou não), quando separo algumas notas, pego o cartão de vô. Fico parado de pé olhando por alguns minutos. Depois de pagar a conta, volto à cadeira e me dou ao luxo de, ali mesmo, numa praça de alimentação, chorar. Chorar como um bebê que acaba de tomar sua primeira palmada. Chorar de não conseguir interromper os sucedidos soluços. Nada me consolava. Foi a tarde em que eu me lembrara de meu vô e a primeira vez que sentia a sua falta. De forma tão particular que, sinceramente, não compreendo.
Hoje, exatamente hoje, primeiro dia do mês de setembro do ano de 2011, (quase quatro anos depois) percebi que não queria sofrer. Eu não sofri com a perda de uma pessoa querida, pois não queria. Não no momento certo. No momento em que me era propício. Meu coração doente se recusou a passar vexame. Saber sofrer, como bem diz Rubem Alves, é uma lição difícil. Desta lição eu levarei pelo resto da vida. Assim como o sorriso do velho no cartão, com os dizeres “Saudades...”, que, pra mim, mais servem como um “Valeu, vô!”.
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